Projeto FIREUSES – Paisagens de fogo
Uma história política e ambiental dos grandes incêndios em Portugal
CONFERÊNCIA FINAL | 24 abr. ‘25 | 09h15-18h30 | Auditório | Entrada livre
Durante pouco mais de três anos, o projeto Paisagens de Fogo submeteu o atual regime de grandes incêndios em Portugal a uma investigação histórica sobre a sua origem e desenvolvimento ao longo do século XX. Sem deixar de parte a incidência crescente dos incêndios rurais nas últimas quatro décadas, amplamente estudada pelas ciências ecológicas e florestais, a equipa do projeto analisou maioritariamente o período do Estado Novo, mapeando, por um lado, a emergência do problema dos incêndios nos discursos político e científico e, por outro lado, a transição entre as agriculturas do fogo e o incêndio florestal no período 1950–1980. Estas duas paisagens de fogo, fundamentalmente distintas, foram analisadas em dois espaços de montanha, as serras contíguas da Lapa e da Nave, a norte, e a serra de Monchique, a sul.
Cedo se percebeu, porém, que a política e a ciência do fogo do Estado Novo assentaram em bases intelectuais e legislativas anteriores, tais como o Regime Florestal, aprovado em 1901–1905, e a afirmação da silvicultura no final do século XIX. Desde então, as serras portuguesas passaram a ser imaginadas como paisagens sem fogo.
A exclusão das práticas de fogo foi apoiada por um consenso científico crescente que condenava o cultivo de cereais através do fogo como “primitivo” e fonte de desequilíbrios ambientais. O fogo passou a ser visto como “inimigo” da floresta no âmbito de uma oposição ecológica entre a árvore e o fogo e de um projeto amplo de modernização dos sertões serranos por via da arborização.
No entanto, parece claro que estas tentativas de restrição do fogo falharam. Os incêndios rurais tornaram-se, a partir dos anos 1960, cada vez mais comuns e destrutivos, devastando um território a cada ano mais inflamável. Nos meses de verão, outrora dedicados às roças e queimas extensivas, os avisos insistentes sobre o risco de incêndio dominam as emissões de rádio e televisão. Numa irónica volta do destino, a recuperação das “perniciosas tradições” do fogo, como o fogo controlado e o contra-fogo, são agora apresentadas pelos especialistas como uma saída para este enigma ardente.
A pesquisa centrada no fogo fez emergir aos poucos uma perspetiva histórica de longa duração, que oferece um olhar renovado e crítico sobre a ruralidade portuguesa ao longo de mais de 150 anos. O conceito de paisagens de fogo abrange, deste modo, num cruzamento das práticas de investigação em história social, história da ciência e história ambiental, quer a persistência do fogo e a sua transformação nas montanhas portuguesas, quer também o universo de discursos político-científicos construídos em torno da ideia de uma paisagem sem fogo.
A conferência final do projeto, que decorrerá no próximo dia 24 de abril, na véspera do 51º aniversário do 25 de Abril, pretende apresentar os principais resultados alcançados, através de seis comunicações que compõem o painel da manhã e que serão comentadas pela arquiteta e historiadora Marta Macedo. Durante a tarde serão apresentadas outras perspetivas e geografias do fogo, onde se procurará esboçar um quadro global multidisciplinar, comentado no final pelo historiador e antropólogo Ricardo Roque. Contamos com as histórias do fogo nas montanhas vizinhas da Galiza (Lourenzo Prieto e David Fontán) e de Kroumirie, atravessadas pela divisória colonial que separa a Tunísia da Argélia (Myriam Amri), os primeiros resultados de uma investigação sobre a “ressurgência” de paisagens danificadas pelo fogo entre Arganil, Portugal, e o Cerrado brasileiro (Kátia Favilla e Susana Matos Viegas) e, a encerrar o painel, uma reflexão informada sobre o “paradoxo do fogo” em Portugal (Paulo M. Fernandes).
A conferência de abertura estará a cargo de Francisco Moreira, investigador em ecologia e comportamento do fogo e também consultor do projeto, que abordará a necessidade de mudar o paradigma da gestão de incêndios. O dia será encerrado com uma palestra de Simon Pooley, investigador de longa data sobre a história ecológica e científica do fogo na África do Sul.