«Provavelmente a medicina era aquilo que se adaptava melhor ao meu tipo intelectual e temperamental, à minha visão larga e abraçante da vida e das pessoas», refere João Lobo Antunes (1944-2016), em 2006, numa entrevista ao
Público, numa síntese que caracteriza o humanismo da sua personalidade e uma vida que vai da prática médica à escrita, passando pela intervenção cívica.
Muito marcado pela figura do pai, também neurologista, de quem herdou o nome, e pelo seu tio-avô, Pedro Almeida Lima, considerado o pai da neurocirurgia portuguesa, ambos colaboradores próximos de Egas Moniz, João Lobo Antunes viria a licenciar-se em Medicina e a especializar-se em Neurologia. Conclui a licenciatura em Medicina com média de 19,47 mercê, como refere, de uma vida quase monástica, ao ritmo do relógio da igreja de Benfica: «Estudava das 9h00 às 13h00, parava para almoçar, continuava das 15h00 às 20h00, parava para ir jantar e voltava das 21h00 até às 23h00», refere, em 2014, na sua última aula.
João Lobo Antunes nasceu em Lisboa, em Benfica (1944). Licenciou-se (1968) e doutorou-se (1983) em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Entre 1971 e 1984 viveu nos Estados Unidos, onde integrou o Departamento de Neurocirurgia do Instituto Neurológico de Nova Iorque, do Columbia Presbyterian Medical Center, pertencente à Universidade de Columbia. Foi investigador bolseiro da Fundação Fullbright e da Fundação Matheson e, posteriormente, professor associado de Neurocirurgia daquela Universidade.
Regressou a Portugal em 1984, passando a dirigir, até 2014, o Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Santa Maria, e tornando-se professor catedrático também de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa, da qual integrou o Conselho Científico, o Conselho Pedagógico, a Assembleia de Representantes e a Comissão de Ética. Foi também presidente do Instituto de Medicina Molecular (IMM), vice-presidente para a Europa do World Federation of Neurosurgical Societies (1990) e presidente da Sociedade Europeia de Neurocirurgia (1999-2003), entre diversos outros cargos.
O seu dia-a-dia, porém, era sobretudo marcado pela prática médica, onde mantinha um ritmo de 400 intervenções cirúrgicas por ano, e trabalhava ainda ao domingo, como confessava, em 2000, numa entrevista ao
Expresso. «Quando eu digo a mim mesmo que antes de me ir embora tenho de ir lá acima ver o doente do quarto número tal, vou, mesmo que não me apeteça nada, que não seja preciso, que o doente de manhã tivesse estado bem e já seja muito tarde».
A sua permanente preocupação ética leva-o a assumir a presidência da Comissão de Ética do Centro Académico de Medicina (2011-2014), da Comissão de Ética da Fundação Champalimaud (2012) e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) (2015). Foi membro de inúmeras sociedades científicas nacionais e internacionais na sua área de especialidade, tendo recebido diversos prémios e galardões, sendo o de maior impacto público o Prémio Pessoa (1996), por ser um «renovador e intérprete da grande tradição médica humanista».
É autor de cerca de 200 artigos científicos sobre temas médicos e de diversos livros de ensaios, marcados pelo sentido ético e pelo humanismo, de que se destacam:
Um modo de ser (1996),
Numa cidade feliz (1999),
Memória de Nova Iorque e outros ensaios (2002),
Sobre a mão e outros ensaios (2005),
O eco silencioso (2008),
Egas Moniz: uma biografia (2010),
Inquietação interminável: ensaios sobre ética das ciências da vida (2010),
A nova medicina (2012) e
Ouvir com outros olhos (2015). Em
Um modo ser, uma compilação de textos proferidos em conferências, que conheceu numerosas edições, reflete sobre temas tão diversos como a ética em medicina, a dor, o erro médico, a educação dos estudantes de Medicina, ou o stresse e a violência na saúde.
Apesar de alguma discrição pública, teve intervenção cívica, sendo mandatário das candidaturas de Jorge Sampaio (2001) e de Cavaco Silva (2006 e 2011) à Presidência da República e membro do Conselho de Estado (2011-2016).
Sabe-se que estava a escrever as suas memórias que se julga terem ficado incompletas e em que procurava responder a questão de como se fez cirurgião do cérebro, como referia, em outubro de 2015, numa entrevista ao
JL – Jornal de Letras.