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Academia Brasileira de Literatura de Cordel

 

Literatura de cordel brasileira. Folhetos de Arnaldo Saraiva.

MOSTRA | 8 março | 18h00 | Sala de Referência | Entrada livre | até 15 junho

 

A mostra apresenta cerca de 300 folhetos de cordel brasileiros da Coleção do Prof. Arnaldo Saraiva com datas compreendidas entre a segunda metade do séc. XIX e a atualidade. Além dos folhetos, organizados por pequenos núcleos temáticos, a mostra apresenta ainda três matrizes xilográficas, um manuscrito e mais de 20 obras sobre literatura de cordel no Brasil. Trata-se de um tipo de literatura popular que deve o seu nome ao facto de esses folhetos serem pendurados em cordas ou cordéis e vendidos em feiras e praças. Foi levada para o Brasil pelos colonizadores portugueses no séc. XVI e subsiste até hoje, abordando todo o tipo de temas.

 

cordel_brasileiro_01«Os folhetos que em Portugal, em Espanha e na América Latina são ditos de cordel, porque outrora eram suspensos - para exposição e venda - de cordéis, apareceram em Portugal, como noutros países da Europa, poucas décadas depois da descoberta da imprensa, e foram até meados do século XX um poderoso meio de comunicação popular. Levados por emigrantes para o Brasil, aqui começaram alguns a ser reeditados pouco depois de D. João VI ter criado a primeira tipografia, em 1808; imitados ou recriados, permitiram que antes do final do século Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá de Lima e outros poetas populares, sobretudo da Paraíba e de Pernambuco, fixassem os modelos do folheto de cordel brasileiro, que como regra ainda se mantêm, apesar das transformações sociais e tipográficas: papel em geral de fraca qualidade, formato raramente afastado dos 15x12 ou 16x11 centímetros, simplicidade gráfica, capa ilustrada, com privilégio da xilogravura, impressão rudimentar, enunciação oralizante e narrativa, linguagem concreta, popular e coloquial, fixação quase exclusiva na expressão poética, com preferência pelo verso setissílabo e pela sextilha, gosto do cómico e da crítica social, abertura temática mas com atração por certos ciclos

 

cordel_brasileiro_02Se muitos folhetos se inscrevem na tradição dos ciclos literários bíblico, romano, cristão, carolíngio, árabe, etc., e imitam espécies bem antigas (romance, ABC, testamento, exemplum, desafio…), outros, pelo contrário, incidem sobre temas e motivos do nosso tempo - viagens astronáuticas, guerras recentes, invenções, novos comportamentos, últimas modas, Bento XVI, Bin Laden, Obama, clonagem, aids (sida),  internet… –, ou sobre  temas e motivos bem brasileiros: figuras ou figurões da História e da lenda, como os vários presidentes da República, António Conselheiro, Padre Cícero, Pelé, Roberto Carlos, Ayrton Senna, sertanejos, valentões e cangaceiros como António Silvino, Lampião ou Corisco, e  pícaros como Cancão de Fogo, Camões, Malazartes, João Grilo, seu Lunga. Mas não faltam folhetos para celebrar a própria literatura de cordel e para homenagear poetas de grande sucesso popular que as histórias da literatura brasileira ignoram. E há também folhetos de homenagem a homens de cultura e a escritores cultos, como Bandeira, Jorge Amado, Lins do Rego, Ariano Suassuna, que aliás de folhetos beneficiaram. Se até aos anos 80 só por exceção poetas cultos imitavam textos ou folhetos de cordel (Drummond, Ferreira Gullar, Reynaldo Jardim, Ildásio Tavares...), nas últimas duas décadas, em que a literatura de cordel chegou a algumas escolas, até do Sul, e interessou como nunca muitas mulheres, começaram a circular folhetos compostos por universitários. Sinal de vitalidade, ou talvez de um fim próximo.

 

cordel_brasileiro_03Como aconteceu com o europeu, ou com o português, que desapareceu em meados do século XX, o típico folheto brasileiro parece condenado à morte, anunciada pela alfabetização geral, pelo jornal, pela rádio, pela televisão e pelo computador, mas também pelo epigonismo e pela gula comercial, que aliás o ajudou a sair do Nordeste para todo o Brasil e o promoveu junto das classes cultas. Entretanto o folheto foi e ainda é veículo de uma literatura fabulosa e única no mundo: uma literatura escrita mas sempre próxima da oralidade (e da realidade); uma literatura produzida e consumida sobretudo por quem não tem outra cultura para lá da oral e popular; uma literatura que tem da vida quotidiana e do mundo antigo ou recente uma visão às vezes crua, às vezes ingénua, às vezes heterodoxa, mas quase sempre expressiva e jocosa. Uma literatura, enfim, que ensina, anima e alegra gente com poucos motivos de alegria e de esperança, ou que pode ser a riqueza de quem não tem outra.» 

 

Arnaldo Saraiva