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Doação do Espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen à BNP

 

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Realizou-se, a 26 de Janeiro de 2011, a assinatura do Termo de Doação do Espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen à BNP. Em representação das partes assinaram os filhos da Poeta, respectivamente Maria Andresen de Sousa Tavares, Isabel Sofia Andresen de Sousa Tavares, Miguel Andresen de Sousa Tavares, Sofia Andresen de Sousa Tavares e Francisco Xavier Andresen de Sousa Tavares, na qualidade de doadores, e o Director-Geral da BNP, Jorge Couto.

 


"O espólio de Sophia chega à BNP

 

Nos últimos dias de Novembro de 2010, o espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen chegou à Biblioteca Nacional de Portugal, doado pela família. Veio de uma sala no Centro Nacional de Cultura onde uma equipa constituída por Manuela Vasconcelos e Maria Andresen de Sousa Tavares leu, identificou e classificou cada documento. Mas, mais remotamente, o espólio de Sophia veio da sua casa na Travessa das Mónicas, em Lisboa. Veio dos grandes armários, com portas de vidro, onde ela fechava à chave tudo o que não queria destruir; armários que no fim da vida estavam cheios como um ovo.

sophia_menina_do_marO espólio de Sophia traz, naturalmente, as marcas da vida, com todos os seus acidentes biográficos. São cadernos e folhas soltas com rascunhos e diferentes versões de vários tipos de textos, esboços de projectos, traduções; são cartas, agendas cheias de notas sobre afazeres do dia-a-dia (números de telefone, receitas de cozinha, contas domésticas), diários de viagem, desenhos, recortes de jornais com depoimentos e entrevistas, fotografias; são impressos que documentam gestos de solidariedade e envolvimento cívico e político. Mas, para além de tudo isto, o espólio traz a marca vincada daquela procura obstinada da palavra “exacta”, como ela própria dizia, que no poema encontrou a sua forma mais resistente e secreta, mais clara e eficaz. Traz o rasto e a história da sua tentativa. Encontramo-la na quantidade de manuscritos sem título, não datados, em muitos casos com a aparência de fragmentos de outros textos maiores; nas várias versões de poemas que viríamos a conhecer publicados; nos cortes, hesitações, emendas; nas versões autógrafas dos cinco textos chamados «Arte Poética», numerados de I a V; nas inúmeras versões de alguns poemas editados, no rico acervo de poesia inédita. E encontramo-la, magnificamente, na evolução da própria letra escrita, no seu desenho, nos sinais de pressa ou de vagar, de impaciência, na mancha da tinta; no modo como o tempo foi transformando a caligrafia, como foi alterando os nn, os aa, a ponto de, a partir dessas marcas, podermos datar os papéis.

sophia_caderno_1934_3Há também o fruto de descobertas surpreendentes. Por exemplo, no fundo de um  pequeno móvel, meio abandonado estavam, escondidos e alinhados, vários cadernos, os mais antigos cadernos de poemas. Dentro da ideia de que os desperdícios contam histórias, pode-se dizer que esta é uma das partes mais interessantes do espólio. Estes cadernos contêm escritos datados entre 1932 e 1941. Alguns já não têm capa, os poemas são escritos a lápis ou a tinta permanente; há passagens quase ilegíveis. Contêm os primeiros esboços de poemas, tentativas adolescentes que remontam aos 12, 13 anos. E contêm, em manuscrito, muitos dos poemas que viriam a ser publicados ao longo da vida.

Num destes primeiros cadernos, quase todo escrito a lápis e sem capa, encontramos, numa folha solta, dobrada, o primeiro poema escrito, assim referenciado por Sophia num outro manuscrito, muito posterior, presumivelmente do início dos anos 80:

Comecei a escrever numa noite de Primavera, uma incrível noite de vento leste e Junho. Nela o fervor do universo transbordava e eu não podia reter, cercar, conter – nem podia desfazer-me em noite, fundir-me na noite.

sophia_tavola_redondaNo gume da perfeição, no imenso halo de luz azul e transparente, no rouco da treva, na quasi palavra de murmúrio da brisa entre as folhas, no íman da lua, no insondável perfume das rosas, havia algo de pungente, algo de alarme.

Como sempre a noite de vento leste misturava extasi e pânico.

O poema referido está intitulado «Primeira noite de Verão». No fim da folha, à direita, está a indicação: «Porto, 9-V-1934».

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de Novembro de 1919 e morreu em Lisboa a 2 de Julho de 2004.

Assinalando a sessão da entrega do Espólio à BNP, no dia 26 de Janeiro de 2011, será inaugurada a Exposição “Sophia de Mello Breyner Andresen - Uma Vida de Poeta”, comissariada por Paula Morão e Teresa Amado (patente até 30 de Abril)."

Maria Sousa Tavares