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Carta de Fernando Pessoa a Miguel Torga

NOTÍCIA  | março '24

 

Por generosa doação de Clara Rocha, filha do autor que usou o pseudónimo Miguel Torga, a Biblioteca Nacional de Portugal acaba de incorporar um novo autógrafo no espólio de Fernando Pessoa (BNP Esp. E3/832). Trata-se de uma carta dirigida a Adolfo Rocha, endereçada para a redação da revista Presença e datada de 6 de junho de 1930, em que Pessoa agradece o envio do livro de poemas Rampa, publicado nesse ano, e em que tece considerações a propósito.


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Apartado 147

Lisboa

6 de Junho de 1930

Meu prezado Camarada:


... Muito agradeço o exemplar do seu livro Rampa. Recebi-o já há alguns dias. Só hoje posso escrever para lho agradecer. Li-o, porém,

logo que o recebi.

... Li-o e gostei dele. A sua sensibilidade é de tipo igual à do José Régio - é confundida, em si mesma, com a inteligência.  O que em si é ainda por aperfeiçoar é o modo de fazer uso dessa sensibilidade.

... Há que separar mais os dois elementos que naturalmente a compõem; ou que confundi-los ainda mais. Uma análise instintiva que coloque a sensibilidade desintelectualizada perante a inteligência dessensibilizada, em contraste, diálogo e reparo; ou uma síntese em que desapareçam os traços de haver dois.bn-acpc-e-e3-832_0002_150px

... Não creio impossível que qualquer, ou ambos, destes processos sejam por si atingidos num futuro próximo da sua consciência se si mesmo.

... Intelectualmente - e portanto artisticamente - falando (a arte não é mais que uma manifestação distraída da inteligência), a sensibilidade é o inimigo. Não o inimigo que se nos opõe, como na guerra, mas o inimigo a quem nos opomos, como no amor. Há que vencer, pois, não por esmagamento, senão por sedução ou domínio. Chamar a sensibilidade para dentro da casa da inteligência; ou fazer a inteligência montar casa externa à sensibilidade. Imagens? Como o universo...

... Mas em suma, gostei do seu livro, e por ele o felicito.

... Com a melhor camaradagem e apreço

 

Fernando Pessoa

 

 

Esta carta encontra-se publicada em Andrée C. Rocha - A Epistolografia em Portugal (Coimbra: Almedina, !965), Manuela Parreira da Silva - Correspondência inédita (Lisboa: Livros Horizonte, 1996) e Correspondência de Fernando Pessoa, vol. 2, 1923-1935 (Lisboa: Assírio & Alvim, 1999); e Carlos Mendes de Sousa - Cartas para Miguel Torga (Lisboa: Dom Quixote, 2020).