Quando, provavelmente no mês de novembro de 1519, o impressor Germão Galharde, de origem francesa, firmou a sua primeira obra
Tratado da pratica Darismetyca / ordenada per Gaspar nycolas, saída dos prelos instalados algures na cidade de Lisboa, podia contar com um terreno já bastante desbravado pelos seus antecessores, os mestres tipográficos Valentim Fernandes, João Pedro de Bonhomini e Hermão de Campos.
A seleção das obras em exposição orientou-se, portanto, pela demonstração do património recebido dos seus predecessores, designadamente, o material tipográfico existente na sua oficina e com o qual trabalhou desde o primeiro até ao último livro que produziu, impresso em 1565, nos prelos entretanto já manobrados pelos seus herdeiros, como se pode verificar pelo cólofon da edição de
Viagem & naufragio da / Nao sam Paulo (…).
Os impressos expostos documentam a longevidade do parque gráfico da tipografia portuguesa da primeira metade do século XVI, sobrevivendo o material tipográfico utilizado na produção de edições bastante posteriores, facto que se considera ser um elemento fundamental a ter em atenção na reconstrução da sua História.
Por outro lado, a convivência prolongada com os impressos da oficina de Germão Galharde, dedicando um cuidado especial à apresentação quase exaustiva de um
corpus documental do parque gráfico, reproduzido no volume 2 de
Para a história da tipografia portuguesa. A oficina de Germão Galharde e de sua viúva, 1519-1565, permitiu – ou contribuiu para - identificar fragmentos em encadernações, como é o caso do livro
Breue memorial dos pecados e cousas que pertençem ha confissam (…) em exposição, assim como recuperar gravuras da Oficina de Valentim Fernandes que, inexplicavelmente, não sobreviveram nos seus impressos localizados até ao presente, como se poderá observar pelas seguintes obras expostas:
Cronica llamada el triu[m]pho de los nueue p[re]ciados de la fama (…) e
Ho liuro da regra & perfeyção da cõuersaçã dos monges (…)
Ainda relativamente a
Breue memorial dos pecados e cousas (...) nunca é demais recordar a importância e o alcance que a presença de fragmentos nas encadernações poderá encerrar. Neste caso, a identificação dos fragmentos permitiu identificar um novo sistema das chamadas
Ordenações Manuelinas.
Sobre o impresso
Ordenaçã da orde[m] do juizo, assinala-se a reutilização de uma gravura de João Pedro de Bonhomini, recurso que, aliás, não constitui exemplo único.
Com a exposição do
Breue memorial de pecados & cousas que pertençam a confissão (…), documenta-se um dos exemplos de recurso à iconografia proveniente da Oficina de Hermão de Campos, designadamente, uma gravura da edição do
Ho flos sanctorum, Hermão de Campos, 1513.
A obra exposta,
Reegra & statutos da ordem de Santiago, assinala a primeira ocorrência de uma capa que, normalmente, se relaciona com a edição d’
Os Lusíadas, impresso por António Gonçalves, em 1572. Acontece, todavia, que o conjunto de tarjas surge, pela primeira vez, na edição da
Reegra & statutos da ordem de Santiago impressa, em 1548, na Oficina de Germão Galharde. Posteriormente, e a partir de 1554, as duas colunas laterais aparecem sem pêndulos, circunstância que permite datar apropriadamente alguns impressos posteriores, como a
Primera parte de las Sentencias (…) ou a
Doctrina d`principios e fundame[n]tos d`christa[n]dade.
Lisboa, agosto de 2020