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Shakespeare 400 anos

 

Primeira edição portuguesa de Hamlet, com tradução de D. Luís I, na BND

 

 

 

 

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Quando 23 de abril, em Londres, era 3 de maio, em Paris

3 maio 2016

Há 400 anos, a 3 de maio do ano de 1616, morreu em Stratford-upon-Avon, William Shakespeare. Não, não é engano. Hoje, sim, dia 3 de maio, é que ocorrem 400 anos sobre a data da sua morte, segundo o calendário que está - e estava já - em vigor em Portugal (e em toda a Europa que seguia a Igreja Católica de Roma). Quando em Londres era 23 de abril, em Lisboa, ou em Madrid, ou em Roma, era 3 de maio, desde o ano de 1583. Por isso, e ao contrário do que tem sido anunciado e festejado, Miguel de Cervantes, o famoso criador da personagem D. Quixote, não foi enterrado no dia em que Shakespeare morreu. Entre a morte dos dois grandes escritores existe uma diferença de onze dias, dado que na contagem comum e vulgar da Europa de hoje, Cervantes morreu em 22 de abril e Shakespeare morreu a 3 de maio, desse ano de 1616. Afinal o Dia Internacional do Livro, que se festejou a 23 de abril, passado, não foi, nem é, a data da morte de nenhum destes dois autores.

E aqui mais uma vez pode aplicar-se a famosa frase de Shakespeare: Ser, ou não ser! E a questão prendeu-se e prende-se com o facto de que o firmamento (o céu) que se pode observar sobre o Canal da Mancha é, poeticamente falando, o mesmo em ambas as margens – mas o calendário seguido no Reino-Unido marcava, nesse momento, uma data diferente, daquela que era marcada no calendário seguido em Paris. Entre as duas margens do Canal havia, nesse ano de 1616, dez dias de diferença num mesmo momento. Pode parecer confuso, mas não é.

Todos sabemos, quase empiricamente, que a terra demora um ano a completar uma orbita em volta do Sol. O problema é que o ano não corresponde a uma unidade precisa quando transformado em dias. Quando Roma, do Imperador Júlio César, no ano 46 a.C., implementou o novo calendário, fez o ano corresponder a 365 dias e 6 horas, determinando que as 6 horas de diferença se agrupavam num dia, que se acrescentava ao calendário, de 4 em 4 anos, criando o famoso ano que ainda hoje se designa por “ano bissexto” – no calendário romano havia, assim, nesse ano, duas vezes (bi) um sexto dia antes de se chegar ao mês de março. Mas o problema é que o movimento de traslação não corresponde exatamente a esses 365 dias e 6 horas. E esse dia que se foi acrescentando de quatro em quatro anos produziu um desajuste entre o ano astronómico e o tempo medido pelo calendário. Hoje, sabe-se, que o ano trópico – medido pelo tempo do equinócio vernal do hemisfério norte – demora, em média, menos 11 minutos do que aquele que estava calculado. Assim, no século XVI, havia já uma diferença entre o dia astronómico do equinócio da primavera, que deveria de ocorrer no dia 21 de março - segundo a convenção estabelecida pelo calendário - e a data em que, na prática, acontecia: o dia 11 de março. E isso era, como é, importante para a Igreja de Roma, dado a Páscoa ter como referência a data do Equinócio para a sua determinação.

No ano de 1582, pela bula Inter gravissimas, de 22 de fevereiro, o Papa Gregório XIII, promulgou um novo calendário – hoje denominado Calendário Gregoriano – que determinou que no mês de Outubro desse ano, ao dia 4 seguir-se-ia o dia 15 de outubro. Eram assim supridos dez dias no Calendário (esses não podem ser suprimidos, porque o calendário é uma fição terreste, mas podem ser comutados para um novo sistema e receberem uma nova designação). E foi isso que aconteceu na Europa mais respeitadora das normas decretadas pelo Papa de Roma. Mas o Reino-Unido, assim como a Europa que já não obedecia ao Vaticano, não aceitou a comutação do calendário – e nesses países a seguir ao dia 4 de outubro, continuou, nesse ano, a seguiu-se o dia 5 de outubro. Para prevenir o futuro, o novo calendário determinou também que nem todos os anos de quatro em quatro anos fossem bissextos. Os anos fim de século – embora até essa data todos o fossem – passavam-no a ser apenas de 400 em 400 anos (os anos de 1600, 2000, 2400, etc.).

Para o que nos interessa Portugal, Espanha, França – e os outros países da Igreja Católica – passaram a seguir o Calendário de Roma. A Igreja Anglicana só aceitou o Calendário Gregoriano em 1752 (quando já haviam onze dias de diferença por causa do dia acrescentado em 1700 que, segundo o novo sistema, deixara de ser bissexto).


João José Alves Dias